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quarta-feira, 21 de setembro de 2016

PROSA CABOCLA (ou: Descontrair é bom e não custa caro)

Tava eu cheganu pra mais duns seis quiloms de andança a pé.
Repente, assim sem mais nem meno, trupiquei num toco de canjerana, inroscado na bera da estrada...

Foi um trancu bão, daqueles de amargá a boca di tantu duê.

Ranquei a butina, qui já tinha inté u ilástico isgarçado, ponhei fora a meia furada e arreparei u dedão isquerdo de unha rachada, sortano sangue...

Fiquei bronqueadu com us pé meu, finquei os zóio nus dois e preguntei di purquê qui eles num óia pra donde vão...

Us dois nem fizéro iscuitadu. Ficaro quétinho, nu jeitinho que tava.

Tamém, pudera né? Us pé da genti é pra levá nóis pra tudu quantu é cantu. Pisa no chão quente, si moía tudu na chuva, iscorrega na merda du gadu...

I eu aqui, quereno que eles ainda óia pra donde vão. U negócio deles é levá a genti. Oiá é tarefa dus zóios...

Di qui nissu tive lembrança, preguntei pras duas bolas de inxergá si elas num viru o danado du tocu.

Tamém siguiru quétinhu, nem piscaro. Pudera, zóio num é pra falá... Só sérvi pra avisá us miolo, os quar tem o serviçu di ponhá reparo e tomá jeito de sabê o qui fazê.

Infiei as cachola pra trabaiá e mi veio di troco u recado: 

Zé, avisá eu avisei. 'Cê num tomô sentidu e socô o pé no toco. Danô-se!

Larguei di discutí co'corpo e ponhei a inxada du lado, peguei a matula, dismarrei, mordi o teco di pão que sobrô de trazdontonte, enguli o resto de rôiz cum fejão fríu. Peguei a Pitú, distarraxei a rôia, carquei dois golis bão guela abaxo.

Desceu qui desceu queimanu... Era a nistesia. Ergui bem o toco de unha rachada, dispejei um poco bão da pinga.

Foi só agua qui desceu dozóio! Ardeu inté no fundu duzumbigu, qui nem dizia vó Bastiana.
Rasguei um pedaço da camisa rasgada, inrolei no dedão, ponhei a meia véia drentu da butina suja de merda de vaca, pindurei no cabo da inxada e toquei pra casa.

Doía muito não, mas parecia qui eu era um preto véio incorporado. Ia capenganu, puxano a fumaça do pito pra ispantá us musquito.

Sá Dona, minha nega, cuidô do dedão do seu nego. Adispois da janta, cum arroíz requentado, fejão e torresmo, lavamu as coisa e fumu drumi. Notro dia eu ia trabaiá mancano, mais ia mermo.

Finar di conta, foi só u dedão.

U pé num saiu du lugar. Ozóio tava mais aberto e us miolo avisadu pra mi avisá.
U sol rachava na cara, eu rachava lenha i um pardarzinho passo voanu, cagô na minha testa.

Pensei inté in recramá dozóio, mas a cachola gritô lá di drento:

Zé, nóis já si falamu onti,lembra? Fechei o bico, limpei a caca e toquei no batente.

Tem dia que inté di noite a genti se dana. Mais é ansim mermo. Repentemente tudo mióra.

Só num ficá carcano minhoca na cachola.

Notro tempo proseio mais cocês,

Bá noite.

Nego Tonho, o prosadô cheio de prosa.

(Marcos Ivan de Carvalho, MTb 36.001
Jornalista Independente

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