Quando
ainda era menor de idade, lá pelo início dos anos 60, menores
podiam trabalhar para empresas da iniciativa privada, auferindo
alguma ajuda para a manutenção de suas famílias.
Com
os Carvalho não era diferente. Meu irmão mais velho "trampou" muito
tempo entregando compras de armazém em bicicletas dotadas de
caixotes na garupa. Era empregado da então Casa Brasileira, onde
hoje funciona uma importante loja de rede especializada em não dar
trocos de R$ 0,01.
Por
algum tempo, ainda no Alto do Tabaú, trabalhei para uma vizinha que
fabricava curau, cremes de maisena com sabor de groselha, imitações
de manjar e pirulitos de açúcar colorido.
Nessa
época, eu descia o morro para ir até o campo da Ferroviária,
vender o que fosse preciso.
Minha
experiência já vinha de quando morávamos em Taubaté. Papai era
padeiro e mamãe, além de cuidar dos filhos, produzia pastéis e
croquetes para vendermos no campo do Juta, bem próximo à nossa
casa.
Desse
tempo trago na lembrança o dia no qual busquei ficar atrás da rede
de um dos gols, sentado sob uma árvore, vendendo meus pastéis e
croquetes. Para mim, era o lugar mais seguro, onde jamais uma bola
atingiria minha cestinha...
Engano
meu. Um ponta esquerda (naquele tempo era assim chamado o camarada
que ocupava a mesma posição de atacantes famosos como Pepe, o
canhão da Vila, e Zagalo) errou o “tiro a gol” e a bola, ainda
de capotão grosso e pesada, não acertou também a cestinha de
pastéis.
Não
tive tempo para me desviar do ponto negro e veloz que cresceu diante
de meus olhos. Quando acordei, pessoas me chamavam por “padeirinho”,
indagando se eu estava ouvindo.
Ouvia
sim... Um zumbido, vozes, alguém avisando para ajuntarem o dinheiro
do “padeirinho”. Lavei um banho d'água fria, pois o massagista
do time estava perto e prestou os primeiros socorros...
Continuei
vendendo os produtos caseiros, mas sem me proteger atrás dos gols...
Depois
de muitos pirulitos vendidos em Pinda, trabalhei uns tempos com o
padeiro pai, ajudando-o nas madrugadas.
Com
o tempo, o querido velho descolou um emprego na Farmácia Nossa
Senhora do Bom Sucesso, do Ny.
Foi
nessa época que aprendi a pegar o jacaré pelo rabo.
Era
um trabalho fácil, mas exigia atenção. Para isso, eu precisava,
primeiro, ajudar a preparar algumas fórmulas de medicamentos,
desenvolvidas pelo admirável senhor Raul, farmacêutico oriundo da
nossa Escola de Pharmácia.
O
doutor Raul escrevia as fórmulas. Ensinou-me a pesar os componentes
em pó, medir os líquidos, sempre com a recomendação de higiene
máxima e cuidados com o manuseio dos instrumentos e aparelhos,
inclusive a balancinha com base em madeira e uma gavetinha onde eram
guardados os pesos em gramas.
Eu
torcia para ter alguma receita para ser manipulada no graal, uma
espécie de taça de pedra com um bastão utilizado para moer
matéria-prima sólida, pulverizando-a.
Depois
de as fórmulas prontas, era preciso providenciar a embalagem. Os pós
eram embalados em minúsculos envelopes, em cápsulas de gelatina ou
de amido.
E
os líquidos? Xaropes, poções antigripais, purgantes (um era o tal
de óleo de rícino!) eram colocados em frascos esterilizados,
arrolhados e, ainda, recebiam uma capa de papel impermeável plissado
(Lembram-se das saias das colegiais de antigamente? Era preciso dar
essa aparência ao papel colocado sobre a rolha, finalizando-se a
embalagem com algumas voltas de cordoné (um barbante forte), pelo
menos três nós e uma gota de lacre para garantir a embalagem
realmente fechada.
Nessa
tarefa toda, o destaque dado por doutor Raul era imprescindível: não
deixar a rolha solta, com folga, no gargalo do frasco. Por isso, o
jacaré fazia parte do processo.
Era
uma ferramenta em ferro fundido, com jeitão de jacaré, separada em
duas partes longitudinalmente na horizontal. Trocando em miúdos: o
jacaré de ferro tinha a parte superior, incluindo-se o rabo,
separada do corpo até a altura do pescoço, onde havia uma dobradiça
unindo-a à parte inferior (barriga e patas).
Na
parte de baixo da parte superior, algumas reentrâncias em forma de
meia-lua, com diâmetros de medidas diferentes. Essas meias-luas
combinavam com uma réplica delas, existente na parte inferior da
estrutura do jacaré. Unidas, formavam um arco.
Para
a rolha não ficar “balangando” no frasco, bastava escolher uma
com o diâmetro menor do seu cone um pouco acima do diâmetro do
gargalo; pegar o rabo do jacaré e erguê-lo, inserindo-se a rolha na
meia lua mais adequada. Ato contínuo, era abaixar o rabo do jacaré,
comprimir a rolha e, imediatamente, colocá-la no frasco.
A
rolha voltaria ao seu estado mais normal, expandindo-se e obstruindo completamente a passagem de ar ou produto.
Algumas
vezes, por descuido, comprimi algum dedo em vez de apertar a rolha.
No
Museu Histórico e Pedagógico Dom Pedro I e Dona Leopoldina existem
dois exemplares desse jacaré de farmácia.
Estão
numa vitrine da mostra de mobiliário de época.
Numa
recente visita ouvi um atendente explicar o uso do jacaré: “é um
antigo peso de papel, com esses encaixes para guardar lápis”.
Pode
ser até papo de jacaré, mas achei interessante pinçar esse tempo
de minha juventude para ilustrar como é importante existirem
informações mais detalhadas, temos de pesquisa, estudos e revisões
de informações, troca de conhecimentos, etc, entre profissionais
responsáveis pelo atendimento ao público em locais como o Museu.
Aliás,
alguns parceiros que estavam comigo nessa visita, estranham muitas
salas vazias, sem o rico acervo anteriormente visto.
Além
de saber para que serve o jacaré, é importante entender que se ele
abrir a boca, engole quem não tem capacidade para administrar quem
dá informações ao público...
Vale
a pena repensar a informação, enquanto é apenas um objeto em forma
de jacaré.
Já
pensaram se chega por aí um jacaré sacudindo o rabo e derrubando
quem não entende do assunto?
Fica
a dica...
É
a minha Opinião.
Marcos
Ivan de Carvalho
Publicitário
e jornalista independente, MTb 36001.